quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Camarada

Estávamos separados por um bar.
A porta do meu sempre abrindo, com pessoas bêbadas e barulhentas.
O dela fechado, com rostos firmes, pernas cruzadas e gargalhadas abafadas.
Bati no cotovelo do camarada, "me passa a garrafa".
"De nada adianta, se é pra coragem"
Eu podia levar um soco, ou sair, "nada de coragem. Pra parar o tempo".
Ele mostrou cortesia nos olhos. No verbo, foi mais ríspido.
"Você está sozinho, camarada".
Peguei o trem, fui até outro estado. Cheguei perto da fronteira.
Voltei e sentei. "Ainda só?".
"Você também tem que aprender a crescer".
Passei a garrafa, com copo sujo e má vontade.
Peguei a estrada, deixei casa, prole e farsa.
Rezei pro meu senhor, que não vive mais aqui.
Não havia notado o quando estávamos bêbados.
Planejamos sequestrar, cada qual a sua quem.
Eu havia armado a fulga, ele a entrada.
Chutamos e gritamos, mas quem já tinha ido.

Lição dada, mas o aprendizado fica pra depois.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A Estação e O Garoto II

(...) Não sem antes sorrir.

Era um riso de deboche. Um riso de quem tem todas as verdades do mundo guardadas no bolso traseiro da calça, mas que esconde de propósito. Gosta de ver a luta cotidiana dos medíocres. Se alimenta do sofrimento alheio. Mas não só isso. Os prazeres, que apenas uma criança ingênua ainda carrega nas costas, são peculiares. Isso lhe surge como o peso do mundo.

Os trilhos de ferro estão corroídos e vermelhos. O cotidiano sofrido, de sentir calor quando o Sol se levanta, e de ficar ao relento nos braços da Lua, fizeram com que traços quase humanos tomassem conta daquele caminho, que antes serviam como uma linha de ligação usada pelos sofisticados e imbecis. Ele pisava sobre seu caminho com raiva.

Suas botas furadas deixam pedras entrar. A dor era contínua, e ele aprendeu a suportá-la. Não tinha uma direção certa, muito menos um destino. O fato é que, entre os dois, foi feita uma ligação. Após entrar por acaso, sentiu-se preso. Corria por todos os lados, e não achava a saída. Via portas enferrujadas e lacras. Via janelas constituídas de vidros quebrados, e cada ponta parecia um convite que dizia: "Pula em mim agora, covarde!"

Ele não tinha chegado à adolescência. E provavelmente não chegará. Vai poupar dor e rancor. Sentindo o coração bater leve. O salão de embarque, que antes costumava ser palco para desfile de damas e prefeitos, agora ecoava os gritos longos e rangentes do Garoto. Pedras foram arremeçadas. Mas essa não era a solução.

No fim da noite que seguiu mais um dos pesadelos, levantou-se e acendeu uma fogueira. Era novo, mas tinha sido abandonado, sabia se virar sozinho. Quando ouviu os estalos do fogo queimando a madeira, deitou-se com os braços cruzados por trás da cabeça, e deixou que algumas lágrimas caíssem.

Fingiu que não tinha notado, balançou o rosto, e permaneceu na posição. Olhou o céu repleto de estrelas, e pôs-se a orar. Fechou os olhos e trincou os dentes. Na sua cabeça, a oração parecia cada vez mais alta. Parecia está no meio de uma feira, e não quis parar. Misturava ódio, arrependimento e esperança, numa composição perigosa para qualquer um que chegasse ali naquele exato momento. Foi se deixando levar, cerrando as mãos e ficando vermelho, até que, transbordando o momento, sua voz veio à tona: "Por favor, não me deixa só".

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Barril de Carvalho

Olhe todas as pessoas solitárias.

Ela brinca, limpando a poeira dos bancos.
Tentando evitar a visão do altar.
Padres e sermões fingem entender.
E ela tenta achar conforto onde nunca chegou a procurar.

Fala das músicas que ninguém nunca vai ouvir.
Fingi se interessar, rasgando a carne com as unhas.
Limpa a terra debaixo das unhas...
Deixando cair algumas lágrimas enquanto enterra o passado.

E mesmo assim acha o lugar.
Escuta o rádio fora de sintonia.
Abre mais uma garrafa.
Nunca desiste antes de secar.

A vida e a garrafa.

domingo, 29 de junho de 2008

A Estação e O Garoto

Um garoto, com roupas enfadadas, procura o esconderijo perfeito.
Em um salão grande, ele se sente só. Se sente confortável.
Circula pela sala empoeirada e vai para parte externa.
Numa estação de trem, com trilhos enferrujados, abandonada.
Num final de tarde, de sol dourado, perseguido por uma grande plantação de trigo.
O garoto, de botas gastas e pernas curtas, senta em um dos bancos que ainda resistem.
Faz esforço para alcançá-lo, mas consegue sentar-se, balançando as pernas.
Olha diretamente para o céu, depois volta o seu olhar para os trilhos.
Idealiza sobre pessoas que outrora embarcaram e desembarcaram nessa estação:
Mulheres elegantes e sofisticadas. Homens sofistas, com cigarros e vinhos à tira-colo.
Sorrisos exibidos. Para esconder o fervor do sangue.
Olha, pelos buracos no teto de madeira, que o céu azul começa a tomar um tom mais escuro.

A noite já cai, e o garoto custa em sair dali.
Deita dentro de um vagão enferrujado, e sonha em se tornar o rei dali.
Pensa na família que escolheu não ter. Nas brincadeiras que preferiu não fazer.
Sente o peso da responsabilidade, da liberdade. A angústia de se tornar só.

No dia seguinte amanhace com gosto de sangue na boca.
Se levanta e sai caminhando, chutando as pedras pelo caminho.
Pensa em solidão, em outras vidas. Em como ter tudo se resume à nada.

Levanta a cabeça, enxugando os olhos.
E, como se ainda existissem os trens.
Se joga sobre o trilho. Imaginando, mais uma vez.

Não sem antes sorrir.

sábado, 28 de junho de 2008

Sirva-se

O mar levou, como sempre, a inocência embora.
E o caos que nos restou, aceito de bom grado.
Vingança esquematizada, e utópia em ruínas.
E a dor que acompanha, é simplesmente para nos manter vivos.

O ritmo frenético de suas pernas tentam me acalmar.
Te vejo subindo e descendo, em um esforço quase sutil, sem conseguir te encarar.
Sinto o perfume e o suor escorrendo pelo pescoço.
E com as mãos trêmulas, sirvo mais um gole para todos.

É raro ter alguma sensação. Brinco de ser deus até onde dá.
Levo para casa, depois de me envergonhar, todos os pecados e angústias.
O caos, meu habitat natural, parece até mesmo se isolar.
Mas na verdade, são apenas desculpas de uma pessoa que não quer mais se esforçar...

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Morno

A angústia de não ter vivido a história.
A angústia de nunca ter possuído um feudo,
De nunca ter conhecido um Czar, nem nunca ter chorado nas cinzas de Roma.
Não vi irmãos e amadas serem queimados na fogueira,
Não conheci Pedro, nem mesmo depois de negá-Lo por três vezes.
Não participei da primavera de Paris, e não me deixaram ir na China Maoista.
Deveria ter conhecido os tuberculosos dos botecos brasileiros.
Errados de nascença, e corretos na existência.
Tempos bons que não vivi, e que me deixam saudade...

Já o que eu conheço, não sei descrever.
O que eu vivo, não me passa ansiedade.
Parece que minha paixão estancou e parou.
Não existe romance, muito menos intensidade.
Caos. Essa é a única verdade e o único prazer na minha existência.
Brindo, com sangue em taças de cristal, pelo Caos.
E que, a partir das minhas ruínas, se construa uma ponte.
Que leve até teus filhos e netos a paixão.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Resistir ou Resignar

lembra quando cortávamos a carne e usávamos o sangue para brindar ?
discutiámos por nossas banalidades e discordávamos pelo vício niilista que conservamos até hoje.
a repetição da verdade, jogada em nossa cara, nos deixava irritados.
e, com um punhal, resolvemos aniquilá-la. agora é viver no abstrato.

então sonhei, de forma breve, que tudo isso fazia parte do presente.
que, embrulhado em nostalgia, mandei que entregassem em sua casa.
foram os seus quinze minutos de glória, e as minhas semanas de ruína.
são anos, dogmas e valores.
eram a minha vida e minha certeza.

agora, com a cabeça baixa, ouço o grito de vitória daqueles que resistiram.